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quarta-feira, 15 de outubro de 2003
A Marina by... PCP
No exemplo daquilo que pretendo para o blog: debate, fica para análise e comentários a posição do PCP (no caso, a da concelhia de Ílhavo) que foi enviada para o Ministério do Ambiente...
No âmbito do processo da Consulta Pública prevista nos termos do Decreto-Lei nº69/2000, de 3 de Maio, relativo ao Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do complexo Marina da Barra, a Comissão Concelhia de Ílhavo do Partido Comunista Português vem emitir opinião desfavorável, baseada nos seguintes fundamentos:
1. A designação do projecto em estudo esconde a sua verdadeira natureza. Por detrás da “Marina da Barra” surge um empreendimento imobiliário com capacidade para 2330 habitantes, dois hotéis com um total de 210 quartos e parques de estacionamento público para 1623 automóveis.
2. Não se trata, no caso em apreço, de uma qualquer operação em terreno sensível, mas sim da tentativa, a pretexto de uma marina, de realização da primeira operação imobiliária em pleno leito da Ria de Aveiro, a qual, a concretizar-se, constituiria um grave precedente.
3. Sendo porventura defensável a criação de uma marina ou de equipamentos similares na Ria de Aveiro e sendo exacto que está prevista, desde os anos 70 do século passado, a implantação de um tal equipamento na área do EIA, o facto é que nada apontava antes nem para a dimensão nem para a natureza do projecto em Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
4. A localização do complexo Marina da Barra está prevista para uma área da Zona de Protecção Especial (ZPE) da Ria de Aveiro, definida pelo Decreto-Lei 140/99 de 24 de Abril e Decreto-Lei 384-B/99 de 23 de Setembro, visto tratar-se de uma área de grande sensibilidade ecológica e ambiental, nomeadamente a existência de importante banco de lodo intertidal e sapal cuja destruição iria afectar toda a laguna.
5. O diploma que autoriza a concessão, o Decreto-Lei n.º 507/99, de 23 de Novembro, é em si mesmo contraditório. Enquanto que o preâmbulo indica claramente que «a construção neste local..., tendo em atenção a classificação da área como zona de protecção especial a integrar na Rede Natura 2000, implica a construção de apoios em terra, comerciais e hoteleiros», já o articulado permite que os referidos equipamentos sejam construídos no leito da Ria, acrescentando também a possibilidade de construção de habitação.
6. Não é rigorosa a invocação, pelo EIA, da conformidade do projecto com o Plano Director Municipal de Ílhavo. O leito da Ria não está incluído no conjunto dos solos urbanizáveis, para os quais os PDM podem definir as regras de uso.
7. A localização e a dimensão provocam, entre outros impactes que não são de desprezar, o aumento substancial da pressão humana numa zona já hoje sobrecarregada, a Praia da Barra, em pleno cordão dunar, de grande fragilidade ambiental e ameaçado na sua própria existência devido ao chamado efeito global de estufa. Este aglomerado apresenta já hoje, sazonalmente e aos fins-de-semana, grande dificuldade de escoamento de trânsito, com riscos
acrescidos em caso de eventual acidente de elevadas proporções.
8. O EIA deixa claro que, ao contrário do que determinam as directivas da UE e a legislação nacional (Decreto-Lei nº69/2000) não foram consideradas localizações alternativas para o empreendimento. O facto de o diploma da concessão (Decreto-Lei 507-99) fixar peremptoriamente uma localização, sem que o concessionário ou o Estado tenham estudado, fundamentadamente, localizações alternativas, abriu a porta ao incumprimento de um requisito essencial para a realização de um projecto desta natureza e dimensão.
9. O EIA é também omisso na abordagem de alternativas de projecto que não incluam a componente imobiliária, ou que estivessem conformes ao preâmbulo do Decreto-Lei de concessão, isto é, em que os serviços complementares de apoio fossem construídos em terra.
10. O desenvolvimento do turismo na Ria de Aveiro deve ser abordado numa perspectiva multimunicipal e inserido numa estratégia de conjunto. Não existe qualquer entidade com competências, meios e jurisdição sobre toda a Ria, capaz de desenhar a estratégia de desenvolvimento sustentável dessa mesma Ria. Fora de tal quadro a aprovação de um projecto com esta natureza e dimensão pode comprometer o futuro de toda a zona ribeirinha.
11. A Administração do Porto de Aveiro (APA), SA, tem, neste processo, um papel determinante. Mas a APA, com o estatuto de Sociedade Anónima, por enquanto de capitais públicos, directamente interessada pelo sucesso económico do empreendimento porque arrecadará, nos termos do Decreto-Lei 507-99, entre outros proveitos, uma percentagem da receita bruta da sua exploração, não é a entidade mais adequada para contribuir para a estratégia de desenvolvimento invocada no ponto anterior.
12. O projecto de construção da Marina da Barra não é aquele que interessa ao turismo do futuro. O sucesso turístico de uma região, depende sobretudo daquilo que tem de único para oferecer e da valorização do que a diferencia. O trunfo da nossa Região é a própria Ria, com os seus canais e esteiros, com a sua luz, a sua navegabilidade durante todo o ano, com o seu património ecológico. Não se pode defender a Ria abrindo caminho a projectos que a asfixiem e descaracterizem, como é o caso do projecto em análise, que retira uma área de 58 hectares ao domínio público hídrico no Canal de Mira, uma das partes mais nobres da Ria.
13. Não existe qualquer garantia de viabilidade económica da marina propriamente dita. A insistência na vertente imobiliária, sem que esta tenha qualquer relação directa com o equipamento portuário, sublinha esta incerteza.
14. Não existe qualquer garantia, sustentada em estudos credíveis, que indicie um tipo de ocupação das moradias e apartamentos do empreendimento que seja diferente da sazonalidade de curta duração que prevalece na Barra.
15. O EIA subestima a importância do local de intervenção assim como os impactes negativos no ecossistema, na paisagem e na qualidade de vida da povoação da Barra. É significativo, por exemplo, que se apresente «sem impactes negativos» o recurso à captação subterrânea de água, cumulativamente à que já é captada para a população actual.
16. A monitorização dos impactes no ambiente proposta no EIA suscita igualmente dúvidas relativamente à sua eficácia. Não se pode admitir, por exemplo, que a recolha de amostras de água para análise da poluição provocada fosse apenas de três em três meses, período que permitiria passar praticamente todo o Verão sem que qualquer amostra fosse recolhida e analisada.
17. O Relatório Síntese do EIA não reproduz de forma objectiva e isenta as opiniões recolhidas ao longo do processo da sua elaboração. As opiniões favoráveis são valorizadas ao mesmo tempo que se formulam qualificativos subjectivos que procuram desvalorizar aqueles que proferiram as opiniões de sentido contrário. Não são tidas em conta nem são devidamente reproduzidas opiniões já expressas anteriormente por instituições e investigadores independentes do projecto, nomeadamente os da Universidade de Aveiro, entre os quais se inclui um antigo Ministro do Ambiente.
18. Não foi realizada qualquer audiência pública com a natureza das previstas no artigo 15.º do Decreto-Lei 69/2000, promovidas pelo Instituto do Ambiente. A natureza e complexidade do Projecto, bem como os seus impactes exigem que tal fosse feito. As sessões de esclarecimento organizadas pela Câmara Municipal de Ílhavo e pelo Consórcio, não garantem a neutralidade e isenção necessárias ao processo de AIA.
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João Oliveira