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quinta-feira, 1 de junho de 2006

Uma entrevista paara meditar e comentar

entrevista a Carlos Candal no Diário de Aveiro de hoje

«Câmara de Aveiro não tem peso político absolutamente nenhum»

Tem sido um deputado municipal muito interventivo. Sente-se o líder da oposição?
Nunca me preocupei em ser número um ou líder de nada. Muitas vezes isso aconteceu fruto das circunstâncias. Sou cabeça-de-lista do PS e isso cria-me algumas responsabilidades, mas podia ser o último da lista que o meu posicionamento seria o mesmo. Mas por maneira de ser, gosto da polémica, do debate e da tertúlia. Penso que a AM deve funcionar como uma tertúlia de opiniões ? é o único ponto de encontro entre as várias opiniões políticas do concelho. Não há outro sítio ? não há palestras, não há mesas-redondas... É o único sítio onde se podem confrontar pontos de vista diferentes.

Como é estar na oposição depois de oito anos como líder da AM?
Eu gosto, porque nasci advogado, no sentido de defesa de teses. Gosto do conflito e de tomar posição numa das barricadas. Isso dá-me gozo intelectual, sempre com respeito por quem pensa de maneira diferente. Se eu penso que é branco e o adversário pensa que é preto, quem tem razão sou eu e vou ter que o demonstrar e tentar ganhar a causa. Esse é um dos interesses da vida política.

Esse gosto pela polémica de certa maneira até se adequa mais à sua condição de opositor à maioria...
Eu gosto mais de estar na oposição. Os dois mandatos que fiz com a maioria do PS foram um bocado contrários à minha maneira de ser. Não gosto de ser árbitro. Se há guerra, se cheira a pólvora, gosto de estar num dos lados, e como presidente da AM não o podia fazer, tinha de ter algum equilíbrio e imparcialidade e não podia defender teses, embora às vezes desse um lamiré. Estive ali um bocado inibido. Agora estou como anteriormente, quando havia uma maioria do CDS e de Girão Pereira.

Qual a qualidade da oposição à actual maioria?
Fora da AM, o PS no concelho não tinha estrutura estabilizada e preparada para esse tipo de intervenção, mas agora penso que tem. Tem de fazer o papel das oposições: criticar o que entendem que está mal, elogiar o que acham que foi bem feito e apresentar sugestões e propostas. Na AM isso tem sido feito, embora a dra. Regina Bastos o esteja a cercear um bocado, porque foi para ali com uma série de complexos e preconceitos, que têm sido ultrapassados pela prática. Ela deve liderar o parlamento municipal mas sem cercear as intervenções. Por outro lado, o papel dela não é favorecer a maioria da Câmara mas dirigir os trabalhos. Ela acaba por ser inteligente e já percebeu isso; e se não percebesse era a mesma coisa, porque o parlamento é para falar e discutir. A AM está a libertar-se de algum espartilho que a visão restritiva da dra. Regina Bastos tentou impor. Ela vinha com a ideia de que se fala demais, o que é um pouco verdade, e eu nunca estive contra isso ? quando eu presidi aos trabalhos havia um certo laxismo. Mas não fui eu que inventei isso, é a tradição da AM de Aveiro.

O que é que pode mudar no exercício da oposição com a eleição de Raul Martins como líder concelhio do PS?
Tem de haver documentos, intervenção oportuna... O PS concelhio estava um bocado passivo, expectante e seguidista. Espera-se que esteja mais interveniente, crítico, naturalmente, mas colaborante. Não tenho uma visão tacanha da política. Tenho a perspectiva de que a política se faz com debate e confronto de diferentes pontos de vista. O PS concelhio deve fazer isso, além de outros trabalhos como reconstruir a sede, que é uma preocupação grande. Mas o dr. Raul Martins e a sua equipa têm qualidade. Quanto à AM, é uma boa equipa, sortida, com alguns estreantes que ainda não estão à-vontade e estão a aprender. A maioria também tem muitos estreantes, gente sem experiência política que quer mostrar serviço, o que é bom. Às vezes exageram e tornam-se atrevidotes e nessa altura tem que se lhes dar nas orelhas para os pôr no sítio. Mas eu gosto de ver gente nova no combate e na defesa dos seus pontos de vista.

Fala muitas vezes na falta de peso político de certos deputados municipais. Alargando um pouco o âmbito da análise, pode afirmar-se que Aveiro não tem peso político?
Não tem, não. Mas foi sempre assim. Aveiro não tem nomes sonoros nem importantes na vida política nacional...

Não é uma fábrica de talentos políticos, é isso? O que é que falha, se é que falha alguma coisa?
Algum liberalismo e algum sentido excessivo da tolerância. Os aveirenses não são muito combativos na defesa dos seus pontos de vista e dos seus interesses; são colaborantes e dialogantes e não batem o pé, e era importante que o fizessem. Por outro lado, estamos na província, Lisboa fica muito longe, e temos tido poucos aveirenses, do ponto de vista distrital, no Governo e em cargos de liderança. E depois não temos lobi político aveirense, ao contrário de Coimbra; Coimbra teve sempre, desde Bissaya Barreto para cá, um aparelho montado, bairrista e solidário. Aveiro não. Depois, Aveiro-distrito não tinha universidade e não tinha, portanto, uma elite intelectual, que agora começa a ter. Começa a haver um corpo, uma inteligência universitária radicada e interveniente na vida cívica. Elite social, Aveiro não tem e não teve desde que o Marquês de Pombal liquidou os duques de Aveiro; não voltámos a ter uma elite aristocrática e isso é bom, por um lado, mas mau em termos de influências sobre a capital.
Por outro lado, somos individualistas: os aveirenses não se juntam, não têm força de conjunto ? só pontualmente e pouco.

Nas suas intervenções na AM, recorre muito a esse argumento da falta de peso político para diminuir os seus adversários. Não há quem tenha esse peso em Aveiro?
Na AM têm peso político os presidentes de junta, porque têm cargos próprios para que foram eleitos, e aqueles que já desempenharam ou desempenham funções de relevância: deputados, presidentes de câmara ou governantes. São poucos. Digo isto sem discriminação negativa, mas Jorge Nascimento, por exemplo, não tem nenhum peso político, independentemente de ser inteligente, culto, interventor e dizer coisas coerentes e acertadas. Ninguém sabe quem é Jorge Nascimento. Se ele chegar a Lisboa e bater à porta de um ministério, o ministro manda-o embora. Quando falo de peso político é neste sentido. Quanto à Câmara, não tem nenhum peso político. Absolutamente nenhum. Isto é, a cotação que tem em termos de política nacional deriva do nome Aveiro. Nenhum dos membros da Câmara é quadro importante de qualquer partido, não são conhecidos... Não dão prestígio ou força a Aveiro. Alguma aceitação que tenham resulta-lhes do benefício de serem de Aveiro.

Em termos práticos, isso representa um revés importante para o concelho?
Nota-se falta de capacidade de exigência...

Importa clarificar o que é isso de peso político. É ter capacidade de influenciar decisões?
Pelo menos ter diálogo. Conseguir trazer a Aveiro pessoas influentes e decisórias, conseguir que se fale de Aveiro pela força e pela cotação de quem fala e não apenas pelo acerto do que se diz. E ter tempo de antena nos jornais, nas rádios e nas televisões. Isso é decisivo, ajuda a formar a opinião e a fazer pressão política.

Essa fraqueza é específica desta maioria ou vem dos mandatos anteriores?
Também se sentia antes, só que o dr. Alberto Souto beneficiava de ter quebrado a dinastia do CDS e isso ecoou no país. Ao fim de 20 e tal anos, o CDS perdeu a maioria e o herói que o conseguiu foi o dr. Alberto Souto, que passou logo para a primeira linha, ganhando audição e presunção de qualidade. E ele não frustrou as expectativas, pelo contrário, confirmou-as. Sendo uma pessoa que à partida não tinha peso político nenhum e ninguém sabia quem era no país, ganhou auréola própria e cotação e passou a ter peso.

Esse argumento não pode ser também usado com o actual presidente da Câmara, visto que o PSD também nunca tinha sido poder em Aveiro?
Mas ele não é do PSD, e essa é outra das fraquezas ? o dr. Élio Maia não é de lado nenhum. Não é dirigente de nenhum partido, não tem nenhum partido, é um neutro. Apresentou-se pela coligação como podia ter sido candidato pelo PSD ou pelo CDS, se tivessem concorrido separadamente. E podia ter sido candidato pelo PS, porque não? Não estou a desmerecê-lo ? é um homem inteligente, culto, fez um excelente papel em São Bernardo... Admito que ele venha a criar um estilo próprio.

Que balanço faz do trabalho realizado até agora pela maioria camarária?
Estão no princípio. Não conheciam a situação da Câmara e eram todos inexperientes em termos de gestão administrativa e política do município. Mas não têm estado mal e espero que trabalhem bem. No interesse da colectividade, não pretendo que esta gestão seja um insucesso, pelo contrário.

O que se pode esperar do PS nos próximos anos? Pode dizer-se que está a fazer uma travessia no deserto?
Não está a fazer nenhuma travessia no deserto. O PS tem bons quadros e vamos ver qual é a equipa que daqui a três anos e meio se candidata e qual o sucesso que vai ter. O sucesso do antagonista depende do programa, das pessoas, mas depende muito mais daquilo que a equipa cessante fez ou não fez e dos seus méritos ou deméritos. Não é o antagonista que ganha, é o antagonizado que perde.

Já consegue imaginar quem poderá candidatar-se pelo PS?
Ainda não penso nisso, mas é bom que se pense com alguma antecedência. Um ano antes, ou mais, é bom que o PS tenha alguém que encabece uma lista para a Câmara. Alguém com qualidade, com programa e de quem se diga bem e não mal. Isto é, é preciso preservar e valorizar a figura do futuro candidato, coisa que o PS faz mal. E tem de ser alguém que queira candidatar-se na perspectiva de ganhar e, se não ganhar, de fazer oposição interna na Câmara. A actual equipa oposicionista ? tirando o Nuno Marques, que é activo e preocupado, sem desprimor para os restantes ? tem estado um bocado apagada.

Vê alguém em Aveiro com esse perfil ou é preciso ir buscar alguém lá fora, como aconteceu com Alberto Souto?
Fabrica-se. Alberto Souto esteve sempre em Aveiro. Até foi dono e director de um semanário... Não estava cá, fisicamente, porque a vida profissional dele não era cá, mas esteve sempre empenhado e preocupado com as coisas de Aveiro. E calculista! O Alberto Souto desde há muito tempo que queria e ambicionava vir a ser presidente da Câmara de Aveiro. Tanto é que, quando foi convidado, nem pediu tempo para pensar.

Se houvesse eleições daqui a uns meses, quem poderia candidatar-se pelo PS?
Não sei quem exactamente. O Raul Martins é um bom quadro para qualquer desempenho a qualquer nível. Dava um excelente deputado europeu, um bom ministro ou secretário de Estado... Tem o seu feitio e maneira de ser, mas em termos de trabalho e de eficácia tem provas dadas.

Há quem diga que não morria de amores por Alberto Souto. Qual a verdadeira natureza da sua relação com ele?
Nunca tive nenhum antagonismo em relação a Alberto Souto. Quando foi convidado para encabeçar a lista por Aveiro, não era o único candidato possível, havia outro, que não posso dizer quem é. E foi com o meu voto que ele foi escolhido. Portanto, eu sempre quis Alberto Souto e gostei dele. Conheço-o desde os tempos dele do liceu. Mas temos maneiras de ser diferentes ? ele é um bocado autocrático, eu sou mais liberal e aberto. Alberto Souto sempre fez o que quer e só o que quer; eu entendo que se devem ouvir os outros e que se possa ceder razão aos pontos de vista dos outros. Alberto Souto tem alguma dificuldade em fazer isso... Em concreto, discordei de algumas ? poucas ? medidas e posições que tomou e sobretudo das que não tomou. Mas não houve nenhum antagonismo, houve respeito e estima recíprocos.

O seu comportamento na AM parece às vezes revelar algum ressentimento face a Regina Bastos por esta lhe ter ganho as eleições. É verdade?
Não há nenhum ressentimento. Houve alguém que disse que eu ainda não tinha digerido a derrota, mas isso é não me conhecer. Ela ganhou e eu perdi, qual é o problema? A democracia é feita de vitórias e derrotas, embora seja melhor ganhar do que perder. Não tenho nada contra a dra. Regina Bastos ? sempre fiz o elogio da pessoa e do desempenho dela em muitas funções que tem exercido. Eu não queria era uma estarrejense a dirigir a AM de Aveiro, é só isso, e até ao fim do mandato vou sempre matraquear nisso. Eu achava bem que o professor Celso Santos fosse o presidente da AM, ou Armando Vieira, ou Rocha de Almeida... Mas ela até nem faz mal o lugar e já está a dirigir os trabalhos como eu entendo mais ou menos que devem ser dirigidos. Só que é um comissário político.

A AM discutiu, por iniciativa sua, a construção de uma via turística entre Aveiro e Ílhavo. Ficou satisfeito com o debate?
Rejuvenesceu o processo, que tem tendência para ficar engavetado, e nesse sentido foi uma boa iniciativa. Em termos de soluções concretas e de andamento imediato, nunca tive ilusões. Mas esse caminho vai existir, mais tarde ou mais cedo, e voltarei a bater-me por isso. Sou muito teimoso e persistente. Por exemplo, já ninguém se lembra que Alberto Souto, no primeiro mandato, não se bateu expressamente pela pista de remo do Rio Novo do Príncipe. Mas fê-lo depois, por pressão minha. O mesmo aconteceu com o professor Celso Santos ? nessa altura, o meu filho Afonso Candal era vice-presidente da Federação Portuguesa de Remo e fartou-se de chamar a atenção do professor Celso para a problemática da pista de remo, mas ele esteve-se marimbando, não se interessou nem preocupou. Foi a primeira perda de oportunidade; depois alguma coisa se recuperou graças a Alberto Souto, quando percebeu que era importante para Aveiro. Mas boa ou má, a pista que existe está em Montemor-o-Velho.

Esse é um exemplo do tal peso político de Coimbra?
Também. Nitidamente. Fomos prejudicados pelo peso de Coimbra e pela iniciativa dos autarcas de Montemor.


Afonso Candal «pode ter influência»

O seu filho Afonso Candal foi eleito presidente da Federação Distrital do PS, sucedendo a Alberto Souto, cuja actuação foi muito criticada por si...
Não era pelo desempenho que eu o criticava, eu achava que ele não devia ter sido. Eu achava que não podia ser um bom presidente da Federação porque era presidente da Câmara e não podia desperdiçar energias e tempo que eram devidos à actividade de autarca a favor da actividade política distrital.

Afonso Candal não é líder distrital a tempo inteiro, também é deputado...
Os presidentes da Federação sempre foram outra coisa ao mesmo tempo...

Mas ser deputado é menos exigente do que ser presidente de câmara?
Sim, sim. E tem outra largueza, porque está em Lisboa, junto dos dirigentes nacionais, onde é importante ter peso... Está no sítio nevrálgico e pode ter influência. Mas sobretudo é preciso que a Federação tenha abertura para as várias facções que co-existem no distrito, e isso estava um bocado cerceado, havia uma política de panelinha. Isso vai melhorar, pela maneira de ser do Afonso, pela sua filosofia política e pelo seu treino em Lisboa, porque está há muitos anos a fazer política nacional. É em Lisboa que tudo se decide e se discute.


«Elogio a coragem» de José Sócrates

Que avaliação faz do trabalho do actual Governo do PS?
Sou a favor. Elogio a coragem do Sócrates. Ele não tem feito políticas socialistas, pois não, mas não podem ser feitas, porque as circunstâncias não permitem políticas de esquerda, no sentido de salvar o colectivo. A degradação da coisa pública era gritante, progressiva, e o António Guterres teve culpa nisso. E depois, com os governos do PSD, de Durão Barroso e Santana Lopes ? mais até de Durão Barroso ? criou-se um excesso de optimismo e pensou-se que estávamos todos a viver bem, o que já era mentira. Estávamos e estamos a viver acima do nível que nos é possível, assim como a Europa.

1 comentário:

  1. O Dr. Carlos Candal é para mim uma referência até nas suas irreverências.
    Com sinceridade gosto dele, sempre gostei.
    Acho todo o seu discurso na entrevista interessante, é ele mesmo, descomplexadamente é ele.
    A entrevista é estar a ouvi-lo, a conversar ou a discursar

    Tem o dom nato de criar empatia, seja com quem for, até mesmo com os seus adversários políticos que sabe estimar., embora de quando em vez, lhes mande naturalmente umas ?bengaladas? próprias do seu estilo de estar e de fazer política.

    Da sua entrevista, perdem os leitores a oportunidade de ouvir a sua voz de barítono, é bom não esquecer mais este predicado, que poucos sabem, dos seus tempos de Coimbra.

    Mas como dizia os seus discursos prendem-nos até ao fim, há sempre uma coisinha ou outra para nos despertar que têm a vantagem de não cansarem.

    Não vou comentar a entrevista, que como disse foi interessante.
    Apenas não entendi, a razão de ele achar que o Sócrates não está a fazer uma politica de Esquerda?
    Aí não concordo com ele.

    Eu acho que a política seguida por Sócrates é verdadeiramente de Esquerda, e se não é considerando o contexto que vivemos, então não entendo muito bem o que é a Esquerda.
    Equitativamente, recebe e reparte de igual modo por todos, o que de bom ou de mau existe, para repartir.

    Se isto não é ser de Esquerda o que dizer daqueles que deixavam que saissem do erário publico reformas de milhares de contos por dois ou tres anos de funções ao Serviço Público.

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João Oliveira

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