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sexta-feira, 6 de junho de 2003
Política provocante
Sem dúvida que a política desperta paixões. Talvez por isso, os nossos colegas têm sido pródigos em participar nesta temática!
Aqui vai o texto do Joaquim Soares, um dos participantes mais recentes mas com uma intervenção de grande nível!
Caro João Oliveira, antes de tudo gostaria de felicita-lo por esta iniciativa de fórum de discussão que se tem revelado extremamente interessante e pertinente. De facto, este é um exemplo prático da aplicação do que poderíamos chamar consciência de cidadania.
Se me é permitido, gostaria de partilhar com este fórum algumas ideias sobre o actual tema em debate, apenas como um mais um contributo, como mais um ponto de vista, para uma questão tão importante, vasta e profunda, como seja a actividade política:
È sempre difícil fazer uma apreciação o mais sensata possível de uma questão (neste caso a política) quando se vive um clima de emocionalidade exacerbada (leia-se, quando a política em Portugal atravessa uma fase de algum descrédito). No entanto, com um certo distanciamento, tomando uma perspectiva mais ampla, é sempre possível ver as coisas e os temas de uma forma porventura mais coerente.
Desde logo, cumpre referir que a Política é uma das mais nobres actividades a que se pode votar um ser humano. Governar uma comunidade ou um estado é uma arte digna da maior reverência, pela extrema sensibilidade exigida, pelo sentido de sacrifício pedido, pela vontade e propósito que se deve demonstrar, por todo um conjunto de qualidades que importa possuir e que, na realidade, muito poucos possuem.
Daqui decorre, apenas como uma constatação sem qualquer outra intenção, que uma grande parte dos políticos não têm as mínimas competências exigidas para uma ocupação de tanta responsabilidade e que exige uma desenvolvida sensibilidade. Falta-lhes, acima de tudo, espirito de sacrifício e abnegação. Espirito de sacrifício no sentido em que deveriam ser capazes de abdicar (em grande parte) do seus interesses pessoais em prol de um interesse maior, do bem comum, sendo então que a Política é a arte de governar para o bem geral do povo. Não se leia aqui que este espirito signifique qualquer coisa como um ascetismo material, pois desde logo, por exemplo, é justificada a boa remuneração de um político. Significa, isso sim, uma renúncia voluntária ao egoísmo pessoal e uma disposição para fazer o melhor que lhe for possível pelo todo, pelo povo. Assim, na Política deveriam estar os melhores e mais sábios, e não os mais inteligentes no mascarar de incapacidades.
È então evidente que o actual sistema democrático e de partidos, ainda que sendo o melhor possível, se encontra numa fase muito embrionária, embora cheia de potencialidades, sendo que é sempre bom relembrar as imperfeições e relatividades dos sistemas políticos e democráticos actuais e o seu necessário constante aperfeiçoamento, para que não se tome a “semente pela árvore”, como há quem pense demasiadas vezes. O actual sistema não é um produto acabado, é antes de tudo o inicio de algo mais vasto que deverá surgir no futuro. Aliás, basta referir por exemplo que, á escala planetária, tendemos para que um dia haja um governo unificado ou mundial, e para isso muito caminho há ainda a percorrer no aperfeiçoamento dos sistemas políticos.
O afastamento da população relativamente á classe política, demonstra entre outras coisas, que a população não se revê nos políticos e que estes, talvez, não estejam a governar para a população (o que leva á questão, dos já falados interesses pessoais e corporativos). Convém no entanto, refrear algum fundamentalismo dizendo que cada povo tem o governo que merece. No dia em que houver um maior grau de exigência e de consciência por parte da população obrigatoriamente teremos melhores políticos e governos. O povo também partilha da culpa de um pais se encontrar adormecido e nas ruas da amargura ou como dizia Pessoa: “Portugal, hoje és nevoeiro”.
Muitas são as questões que importa resolver (os financiamento dos partidos, a legitimidade de se renegar os interesses do bem geral por interesses partidários, os “jogos” de poder e influência, etc.) no entanto, importa reflectir o modo de funcionamento do actual sistema democrático, em que a cada indivíduo corresponde a um voto. Podemos dizer que isto corresponde a um direito de igualdade, porém é notório que existem diferentes níveis de consciencialização das questões, diferentes de pessoa para pessoa. Uns encontram-se mais preparados do que outros para reflectir sobre determinadas questões para o interesse colectivo, logo, e por exemplo, também têm outro grau de exigência para com os candidatos a cargos políticos e as ideias por estes defendidas. Poderão alguns pensar que o que aqui se acabou de dizer é uma ideia perigosa. Limitar-me-ei a dizer que é pertinente, e o futuro encarregar-se-á de o provar.
Isto porque, e apenas para vermos mais um dos diversos pontos da questão, continuam-se a eleger políticos pela “imagem, pelo trabalho que é feito em dispendiosas campanhas de marketing. Outro dos pontos que actualmente deve ser observado é o imprescindível entre o aspecto económico e social. A economia deve funcionar para o homem e não o homem para a economia, algo que por vezes parece que se esquece.
Resultado de todo este “sistema” de ascensão política é, por exemplo, os muitos debates estéreis e vazios na política, o descrédito da classe, á falta de descentralização e hierarquização do poder (e aqui entra a importância fundamental do poder autárquico), a falta de um propósito nacional suficientemente vasto e mobilizador, enfim de uma cultura política e de uma política pela cultura, num enobrecimento constante da actividade, dos cidadãos e do pais. È afinal o binómio Ètica-Politica, mas como muitas das mais profundas palavras andam tão gastas hoje em dia, mais vale poupa-las ao abuso que deturpa os conceitos.
Peço desculpa por me ter alongado um pouco. Gostaria de dizer para finalizar que a prioridade do Governo deveria ser o propiciar o bem estar necessário ao desenvolvimento integral do cidadão e a consequente Educação do seu povo. Também os próprios políticos se deveriam educar (e aprender um apouco mais), desde logo elegendo como livros de cabeceira duas obras (entre outras) fundamentais para a grande maioria da classe política portuguesa como sejam: “A República” de Platão e “A Arte de Ser Português” de Teixeira de Pascoaes. Voltando a citar o maior poeta da nossa cultura, a anunciador de um novo Portugal: “Já é hora!”
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