Páginas

terça-feira, 2 de março de 2004

Os erros do protocolo



Delfim Bismarck debruçou-se sobre os erros de protocolo da Câmara de Albergaria em relação à visita do presidente da republica. Dados importantes para reflectir e sorrir...

Durante alguns dias, pensei se deveria escrever um artigo sobre a tão falada visita presidencial ao concelho de Albergaria-a-Velha no passado dia 21 de Janeiro. O que me moveu a fazê-lo, foi o facto de ter lido diversos artigos sobre a referida visita que julgo merecerem algumas correcções. Caso contrário, daqui a alguns anos, qualquer pessoa que leia os diversos jornais que falaram deste tema ficará convencida que tudo correu bem e que tudo o que se escreveu foi verdade.
Assim, e ao contrário do que alguns autores referiram, a visita presidencial ao concelho foi marcada por algumas “gafes” e incorrecções, manifestando, de forma inequívoca, o desconhecimento quase total das normas protocolares oficiais existentes em Portugal.
Após ter visto na imprensa regional alguns dos convites públicos feitos por câmaras municipais vizinhas, foi com enorme perplexidade que lemos neste nosso “Jornal de Albergaria” o Convite do Município de Albergaria dizendo “Primeira Visita Oficial do Presidente da República Portuguesa, Dr. Jorge Sampaio, ao Concelho.”
De facto, o convite da autoria da nossa autarquia, começou da prior maneira possível, com três erros “crassos” num convite tão pequeno.
Primeiro: Parece não ter sido a primeira visita oficial de um Presidente da República ao concelho de Albergaria-a-Velha, conforme foi noticiado com bastante ênfase. Parece que já todos se esqueceram da 1.ª República em que mudávamos de Governo “como quem muda de camisa” e chegámos a mudar de Presidente da República duas vezes no mesmo ano.
Segundo: As mais básicas normas protocolares existentes em Portugal não foram cumpridas, já que o Presidente da República é sempre: Sua Excelência o Presidente da República.
Terceiro: Nenhum Convite termina “com os melhores cumprimentos”. Isso são as cartas, e apenas algumas.
Por aqui se demonstra bem o desconhecimento total das normas protocolares e o que deve ser a comunicação institucional. Como é sabido (pelos vistos, apenas por alguns), os tratamentos honoríficos são alvo de normas protocolares em toda a Europa e, naturalmente, Portugal não foge à regra e detém igualmente normas para todo um conjunto de procedimentos: tratamento social, convites, trajes, cumprimentos, ordenação das bandeiras, protocolos em recepções e à mesa, etc.
Se no dia a dia grande parte dessas medidas poderão não ter aplicação prática, em recepções oficiais desta natureza não podem já mais ser esquecidas.
O tratamento honorífico em Portugal é o seguinte:
Presidente da República: Sua Excelência
Rei ou Rainha: Sua Magestade
Príncipes: Sua Alteza Real
Ministros: Excelência
Oficiais Generais: Excelência
Cardeal: Eminência Reverendíssima
Arcebispo, Bispo: Excelência Reverendíssima
Etc., Etc.
Mas o chorrilho de “gafes” e incorrecções não se ficou apenas pelo Convite publicado na Imprensa regional. Na própria visita, ou pelo menos na parte a que tivemos oportunidade de assistir, a recepção oficial foi marcada por constantes quebras protocolares.
Após alguma desorganização no momento da chegada de tão ilustre visitante, foi altura de ouvir o hino nacional formados frente ao edifício dos Paços do Concelho. Aí, naturalmente o Presidente da República fica ao centro mas, quem fica à sua direita? Não é concerteza o Presidente da Câmara como o foi, mas sim a primeira figura do concelho na ordem protocolar, ou seja, o Presidente da Assembleia Municipal.
Mas mais. Após a entrada no átrio do edifício e uma recepção musical de grande interesse cumprimentando Sua Excelência, seguiu-se o descerrar de uma lápide incorrecta e de gosto muito duvidoso.
Foi então altura da subida ao salão nobre que, estava devidamente reservado a convidados institucionais. Só foi pena que se tenham esquecido de alguns dos mais importantes convidados naquela área. Tiveram tempo mais do que suficiente para elaborar uma listagem de convidados institucionais sem esquecer ninguém. Se o fizeram e, se, mesmo assim, esqueceram alguém, ao repararem no dia a presença das pessoas esquecidas deveriam tê-las incluído “à pressa” no lote de convidados. É imperdoável o Provedor da Misericórdia, que é uma das principais figuras locais em termos protocolares, não ter um lugar reservado numa das primeiras filas, senão na primeira, e ser igualmente lamentável, o tratamento diferenciado entre representantes de organismos públicos e/ou de colectividades, esquecendo, a título de exemplo, o Chefe da Repartição de Finanças e algumas associações.
Outro dos graves erros protocolares, senão o mais grave, prendeu-se com a constituição da Mesa de Honra. Onde raio é que foram buscar aquela ideia? Era difícil engendrar uma mesa prior organizada do que aquela. Das duas uma: ou o Presidente da República ficava na mesa da Assembleia dando a direita ao Presidente da mesma, ladeados pelos respectivos secretários ou eventuais outros convidados de honra, ficando a Câmara no seu respectivo lugar, ou seja a mesa da frente; Ou, no caso do Presidente da República ficar a presidir à mesa da Câmara, dava a direita ao Presidente da Assembleia Municipal, seguindo-se o Presidente da Câmara e os restantes convidados de honra, ficando facilmente ocultada a mesa da Assembleia através da Guarda de Honra dos nossos Bombeiros Voluntários.
Quanto ao discurso do Senhor Presidente da Câmara, apesar de ter sido alvo de elogio por parte do Presidente da República (naturalmente, como o foram todos os dos outros presidentes de câmara) devido à forma positiva como encarou o futuro, na minha modesta opinião foi muito fraco. Primeiro porque nem sequer cumpriu os procedimentos protocolares exigíveis a uma Sessão Solene deste tipo. Segundo porque se perdeu a falar da História de Albergaria no tempo da Rainha D. Teresa, de uma forma algo deturpada e com pouco interesse, claramente muito mal pesquisada numa História de Portugal do Professor Matoso, quando em vez disso, deveria ter feito um “Raio X” do concelho, o mais sucinto possível, nos seus aspectos económicos, sociais, culturais, etc., do género: quantos somos, quem somos, o que fazemos, quais são as nossas vantagens e desvantagens, etc. É para isso que também servem as Visitas Oficiais.
Existem um sem número de detalhes que devem ser tratados numa visita oficial desta natureza. Para além dos factores acima citados, também outros deveriam ter sido alvo de um cuidado especial, nomeadamente: as bandeiras, os estandartes, os trajes, as medalhas, etc, só para falar em alguns.
Que esta pequena crítica seja construtiva. Que os responsáveis aprendam. Se não quiserem aprender, quando tiverem situação idênticas telefonem a autarcas amigos ou vizinhos e demonstrem humildade, caso contrário acabam por demonstrar ignorância.
Mesmo que, para a maioria dos munícipes, os pormenores que aqui referi nada tenham de relevante, o que é certo é que existem normas protocolares a cumprir, uma espécie de regras de “boa educação”. As normas não existem por mero acaso, mas sim por que sem elas cada um organizava as coisas como queria sem o mínimo de racionalidade.
Afinal, Teresa Heinz Kerry, a eventual primeira dama norte americana filha de Albergariense, tinha razão ao referir-se à terra onde seus pais viviam: “no campo, perto do Porto”.
Será que Albergaria-a-Velha é assim tão campónia? Ou apenas estará a passar uma fase má?
Quando há alguns meses escrevi sobre a visita de El Rei D. Manuel II a Albergaria-a-Velha em 24 de Julho de 1910, estava longe de imaginar que aqui faria uma crítica a uma visita de um Presidente da República. Mas, a República tem destas coisas ...

Sem comentários:

Enviar um comentário

O Notas de Aveiro não é responsável pelos comentários aqui escritos e assumidos pelos seus autores e a sua publicação não significa que concordemos com as opiniões emitidas. No entanto, como entendemos que somos de alguma forma responsáveis pelo que é escrito de forma anónima não temos pejo em apagar comentários...

Por isso se está a pensar injuriar ou difamar pessoas ou grupos e se refugia no anonimato... não se dê ao trabalho.

Não sabemos se vamos impedir a publicação de anónimos. É provável que o façamos. Por isso se desejar continuar a ver os seus comentários publicados, use um pseudónimo através do Blogger/Google e de-se a conhecer para notasaveiro@gmail.com.

João Oliveira

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...