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quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Entrevista do Dr. Élio Maia ao Diário de Aveiro

«A Câmara de Aveiro será gerida ao cêntimo»

PSD e CDS/PP uniram-se em coligação. É a melhor solução?

Claramente. Começa por ser um bom exemplo do que deve ser uma correcta postura política ? colocar os interesses de Aveiro acima dos interesses partidários. Ambos os partidos entendiam que se impunha, no interesse de Aveiro, uma mudança profunda na actual gestão municipal e, com sentido de responsabilidade, souberam criar diálogo e encontrar uma solução de consenso. Penso que, pelo exemplo prático que deram, por terem sabido passar das palavras aos actos, estão de parabéns. Acresce que, como coligação, existe sempre uma mais valia eleitoral e uma dinâmica mais pujante que pode ser gerada.

Quem o vai acompanhar na lista de candidatos à Câmara?

É um processo que está em vias de resolução. No essencial, está praticamente concluída a escolha dos candidatos à Assembleia Municipal e às 14 assembleias de freguesia. A seu tempo, os nomes serão divulgados.

Regina Bastos, que tem pouca ou nenhuma ligação ao concelho de Aveiro, é uma boa escolha para cabeça-de-lista à Assembleia Municipal?

Numa perspectiva que ultrapassa as fronteiras físicas do nosso concelho e que pretenda, como é nosso desejo, relançar Aveiro como centro dinamizador e liderante de uma vasta zona geográfica, é uma boa escolha, quer pelas reconhecidas capacidades pessoais, quer pelas elevadas funções que, a nível nacional e internacional, desempenhou e desempenha. Temos que, numa relação intermunicipal, mudar muito da actual postura da Câmara. Aveiro tem que se assumir como capital do terceiro maior distrito do nosso país e não, como aconteceu nos últimos anos, permanecer fechado sobre si e a preocupar-se apenas consigo. É essencial uma aproximação aos municípios vizinhos já que há diversos problemas comuns que, como é óbvio, só se poderão resolver em clima de diálogo e não de afastamento e/ou de crispação. Aveiro tem que ser capaz de dinamizar e liderar esta nova dinâmica que pretendemos implementar, objectivo no qual acreditamos a Drª Regina Bastos desempenhará um papel muito importante.

Acredita que é suficientemente conhecido fora de São Bernardo para encabeçar uma lista vencedora à Câmara?

De todos os candidatos que concorreram à Câmara pela primeira vez, serei o mais conhecido. Repare que quando, por exemplo, o Dr. Alberto Souto de Miranda aceitou concorrer pela primeira vez, estava no estrangeiro e não tinha tido qualquer ligação relevante a Aveiro em termos comunitários. Neste aspecto penso ter uma vantagem muito clara, já que, nos últimos 30 anos me envolvi directamente em múltiplos projectos, nas mais variadas áreas, desde a social, à cultural, à assistencial, à desportiva e à educativa, bem como na vida autárquica, onde já fui membro e também presidente de uma Assembleia de Freguesia, para além das funções de presidente de Junta. Contactei e trabalhei, em verdadeira equipa, em vários projectos, com centenas e centenas de cidadãos, os quais foram de uma entrega ímpar e de uma amizade inexcedível. Penso não ser propriamente um desconhecido. Aliás, as constantes referências elogiosas que me chegam, vindas de cidadãos de todo o concelho, em relação ao trabalho desenvolvido na freguesia a que ainda presido, mostram exactamente o contrário.

Não é uma ousadia um presidente de uma junta concorrer a uma câmara?

Uma ousadia? Pelo contrário. Qualquer presidente de uma junta é portador de uma vivência única e de uma grande riqueza social. Ele vive, diariamente, na junta, na rua, no café, no terreno, nos mais diversos contextos e situações, ao lado de cada cidadão, com os seus problemas, os seus anseios e os seus dramas. Por isso, conhece com profundidade esses problemas. É quem está mais próximo dos cidadãos e a quem os cidadãos, na maior parte das vezes, recorrem quando têm uma dificuldade ou um problema. Melhor do que ninguém sabe valorizar aquilo que é importante para os cidadãos e para a comunidade. Penso até que seria aconselhável que para ser presidente de uma câmara se tivesse que passar, primeiro, por essa grande escola de formação autárquica que é uma freguesia. Se os actuais responsáveis autárquicos tivessem passado por esta «escola», muitos dos erros que foram cometidos não se teriam verificado.Mas, numa comparação desportiva, não acha que uma câmara corresponde à SuperLiga e que uma junta às divisões secundárias e que poderá ser um salto demasiado grande passar para a SuperLiga?Não concordo. Tenho construído a minha participação cívica degrau a degrau, momento a momento, com muito entusiasmo e com muita alegria. Disputei, durante mais de 30 anos, leal e francamente, cada divisão e cada subida. Se os aveirenses me escolherem, como acredito, para a SuperLiga, não é algo precipitado, mas será o corolário de um processo de 30 anos consecutivos. Se isso acontecer, se formos eleitos para disputar a SuperLiga, será, deixe-me dizer-lhe, com mérito. Não chegámos agora do estrangeiro e muito menos iremos subir na secretaria. Subiremos fruto de uma longa participação cívica e por decisão soberana dos aveirenses.

Que avaliação faz do mandato de Alberto Souto?

Teve um primeiro mandato em que, em clima de maior ou menor diálogo, parecia, inicialmente, vir trazer, com a sua juventude e as suas ideias, uma lufada de ar fresco e uma dinâmica interessante. Mas também me parece, com a mesma honestidade, que depois da reeleição, aquele clima sofreu uma enorme fractura e o actual presidente foi-se distanciando dos cidadãos e dos seus problemas. O que se passou, por exemplo, no relacionamento com as juntas, é claramente elucidativo do autismo para o qual a actual gestão foi caminhando.

Prometeu uma ruptura com os mandatos de Alberto Souto. Em que se irá isso traduzir?

Quando aceitámos concorrer à Câmara, essa decisão transportou em si uma vontade de se operarem grandes mudanças e de, em casos específicos, se verificarem mesmo rupturas. Assumo esta vontade de mudança e a necessidade de, em diversos aspectos, se verificar uma inequívoca ruptura com a prática actual. O primeiro ponto de ruptura que entendemos necessário implementar, prende-se com o desejo de termos uma Câmara que tenha como preocupação central fomentar uma forte relação de proximidade com os cidadãos. Um autarca nunca se pode esquecer que o poder está no povo e que ele apenas foi escolhido para o representar. Por isso, terá que criar mecanismos que permitam que, regularmente, possa subir até ao povo e estar disponível para ouvir e respeitar os seus desejos e os seus anseios. Uma das formas de criar essa proximidade, será optimizando a capacidade e o empenho dos quase 200 autarcas que servem o nosso concelho, que têm sido, com a actual Câmara, marginalizados. E aqui assumimos outra clara ruptura que se prende com o envolvimento de todas as juntas na construção de um concelho mais solidário, mais equilibrado e mais justo. Tudo faremos para ter em cada junta e em cada autarca, um estreito colaborador, um cidadão empenhado e um agente decisivo na mudança que vamos implementar. O futuro de Aveiro será construído por todos. Uma terceira ruptura, tem a ver com a preocupação social, a qual andou afastada da política desta Câmara. Defendemos o princípio de que não é sério falar em desenvolvimento se nele não participarem todos os cidadãos, especialmente aqueles que, por circunstâncias da vida, se encontrem em situação de claro desfavorecimento. O nível qualitativo de uma comunidade deve ser aferido pelo grau de resposta que é capaz de ter para estas situações e da capacidade de envolver os cidadãos no seu desenvolvimento. Uma quarta ruptura, prende-se com a situação financeira da Câmara. A actual situação de dívidas não pode continuar. Além de nos ficar muito mais caro, é a imagem de Aveiro e dos seus munícipes que sai denegrida. Estamos cansados de sermos falados em todo o país pelas dívidas da Câmara.

Falou numa «alteração radical nas taxas e licenças». De que forma isso irá acontecer?

Num maior respeito pelos cidadãos. Os portugueses já estão suficientemente sufocados por tantas taxas e impostos. Queremos acabar com a política fácil de serem os cidadãos a arcar e a pagar pelos erros cometidos por quem governa o nosso dinheiro. A Câmara tem que se responsabilizar pelos erros que comete e tem que ser ela, e não os cidadãos, a suportar as consequências desses seus erros.

Disse que uma das suas apostas é pagar as dívidas da Câmara. Qual o montante em causa e como pretende liquidar as dívidas?

Isto é o mínimo que se exige de uma pessoa ou entidade séria ? honrar e pagar o que deve. Não é sério assumir compromissos, acumular despesas e não pagar. Esta é uma posição de princípio da qual não abdicamos. A nossa firme vontade é que a Câmara seja uma entidade de bem, respeitada e prestigiada, e tudo faremos nesse sentido e com esse objectivo.Prometeu acabar com aquilo que chama de «gestão despesista» da Câmara.

Significa que vai reduzir os investimentos camarários?

O que está em causa é o interesse de Aveiro e a gestão criteriosa dos dinheiros públicos. Se formos, no interesse municipal e dos cidadãos, obrigados a isso, não hesitaremos. Quando entramos numa sapataria, compramos os sapatos à medida do pé. Acreditamos que, com rigor nas despesas, com pagamentos certos, com imaginação e com o envolvimento dos cidadãos e das juntas, mesmo com menos dinheiro, iremos fazer muito mais. Há uma riqueza, de valor incalculável, que tem sido desperdiçada: a participação e a envolvência de toda a comunidade, com a qual todos podemos ganhar imenso. A soma dos contributos de todos os cidadãos, nos mais diferentes níveis e áreas, irá representar uma mais valia extremamente valiosa e que iremos optimizar.

Mas não concorda que os meios financeiros de que a Câmara dispõe são muito escassos para acudir a todas as solicitações?

O verdadeiro problema da Câmara não está nas receitas, ou seja, o verdadeiro problema não está na falta de dinheiro, mas sim no despesismo. A Câmara, nos últimos quatro anos, de 2001 a 2004, sem fazer nada do outro mundo, registou uma receita de 247 milhões de euros, quase 50 milhões de contos. Isto dá, em média, quase cinco milhões de euros ? mais de um milhão de contos por mês. São 250 mil euros, qualquer coisa como 50 mil contos, em cada dia. Dispor de 50 mil contos por dia, são meios financeiros escassos? É óbvio que não.

Mas a Câmara tem obra para apresentar.

Quem, durante quatro anos, recebeu, em média, em cada dia útil, 50 mil contos, tem que ter obra. Isto parece-me inquestionável. O que nós, como contribuintes desse dinheiro, temos o pleno direito de perguntar é se quem, em apenas quatro anos, dispôs de cerca de 50 milhões de contos só para gastar no nosso concelho, fez muito ou fez pouco e se esse dinheiro foi gasto, ou não, com equidade, com equilíbrio e com justiça. Só através do cruzamento desta informação e de uma análise fria às obras e aos números é que poderemos chegar a uma conclusão rigorosa e séria. Não tenho dúvidas de que, com tanto dinheiro, teria sido possível fazer muito mais por Aveiro e pelos aveirenses.Criticou Alberto Souto pela «má gestão dos dinheiros públicos». Dê exemplos de casos em que o dinheiro foi mal gasto.Para além dos casos pontuais que poderiam ser apontados, estamos todos nós a pagar muito caro as dívidas da Câmara. Por exemplo, no ano de 2004, a Câmara gastou, só em juros e encargos das dívidas, cerca de 2.2000.000 euros, qualquer coisa como 440 mil contos. Isto é, do dinheiro que a Câmara recebeu no ano de 2004, 2.200.000 euros foram gastos só para isto. Imaginem o que poderia ter sido feito de bom no nosso concelho com todo este dinheiro, nomeadamente em áreas como a educação, a acção social, a saúde, os transportes e a habitação social. Para além disso, o facto da Câmara acumular dívidas com inúmeras entidades origina, ainda, que muitas empresas não se apresentem aos diferentes concursos ou, fazendo-o, apresentem preços mais elevados de forma a salvaguardarem os habituais grandes atrasos nos pagamentos. Tudo isto representa, no final de cada ano, um gasto exagerado e desnecessário de dinheiro que é de todos nós. Uma autarquia, porque o dinheiro é de todos, tem que ser gerida ao cêntimo, o que não está a acontecer, bem pelo contrário. E o grave disto tudo é que este dinheiro é nosso e somos nós que temos que pagar tudo isto. Não são os cidadãos dos outros concelhos que suportam estes custos. Somos nós. Aliás, já o começámos a sentir nos nossos bolsos com o elevado aumento da Tabela de Taxas e Licenças, com o pagamento da Taxa de Recolha de Resíduos Sólidos, nos elevados custos das Licenças e no Imposto Municipal sobre Imóveis, até numa simples sepultura cujo custo passou de cerca de 160 para mais de 800 euros. E vamos ver o que poderá acontecer depois das eleições. Até lá, por razões óbvias, tudo estará calmo e tranquilo. Depois, bem, depois, todos nos recordamos do cenário de há quatro anos, logo após a reeleição do Dr. Alberto Souto de Miranda, com as famosas «trinta medidas». O pior é que com o aumento que a dívida tem tido nos últimos quatro anos, já não chegarão as trinta medidas. Irão ter que ser muito mais. Acreditamos que os aveirenses vão rejeitar isso em absoluto.

Disse que a autarquia «poderia e deveria ter feito muito mais e muito melhor». O que teria feito de diferente se fosse presidente do município?

Teria mantido uma maior proximidade com os cidadãos, teria colocado ao serviço do concelho a competência dos cerca de 200 autarcas de todas as freguesias, teria potenciado as relações com as juntas, apostaria muito mais na educação e na acção social, teria tido a preocupação de conseguir um desenvolvimento equilibrado de todo o concelho, desenvolveria todos os esforços para a dinamização da economia concelhia, de forma a garantir a criação de mais postos de trabalho e a criação de mais riqueza económica e social, tinha concedido especial atenção ao fundamental e indispensável movimento associativo e institucional e, no essencial, teria feito tudo para que a Câmara, no final do mandato, cumprisse escrupulosamente com os seus compromissos financeiros, como é incontornável obrigação de todos os autarcas.

Alguns dos projectos que diz defender (metro de superfície, eixo-estruturante Aveiro - Águeda, duplicação do acesso à A1 por Aveiro Sul, ferrovia ao Porto de Aveiro, Via Panorâmica Aveiro /Ílhavo) vêm de trás, da gestão de Alberto Souto. Não teme ser acusado de falta de imaginação?

Valorizamos tudo o que seja bom para Aveiro, venha de quem vier, sejam do Dr. Alberto Souto, do professor Celso Santos ou do Dr. Girão Pereira. Alias, devo lembrar que muitos dos projectos que mencionou e que também defendo já vêm do tempo do Dr. Girão. Não temos pruridos a esse nível. Pode ter a certeza absoluta de que tudo faremos para dar continuidade a todos os projectos que sejam bons, assim como não hesitaremos em eliminar tudo o que seja medíocre ou mau. O interesse de Aveiro e dos aveirenses será o único critério selectivo que usaremos.

Que projectos novos irá apresentar?

A construção de uma comunidade é um projecto em constante actualização e evolução. Estamos abertos, sempre numa perspectiva de inovação, para os novos e aliciantes desafios com que Aveiro se irá confrontar. Para isso, temos constituído um grupo de diversos especialistas em diferentes áreas, que já procederam à elaboração e apresentação de uma primeira versão do Programa Eleitoral que, em Setembro, iremos apresentar. Esse grupo continua, de forma empenhada, a auscultar o sentir de inúmeros cidadãos de modo a que aquele documento possa ser cada vez mais enriquecido, já que esse Programa será o nosso Bilhete de Identidade durante a campanha eleitoral e será a nossa Bíblia a partir do momento em que formos eleitos.

Podemos conhecer algumas dessas novas propostas, ou projectos?

Naturalmente. Poderei referir algumas, nomeadamente a criação de espaços de atendimento ao munícipe em diferentes freguesias, a criação do que designamos como «a Assembleia das Freguesias», a dinamização de um «Programa de Restauro Arquitectónico», a criação do Museu Intermunicipal da Ria, a transformação de Aveiro na Capital das Energias Alternativas, a criação de um polivalente Espaço Cultural, o qual deverá integrar uma nova Biblioteca e um Museu Histórico de Aveiro, a realização de um Fórum da Inovação, a elaboração de um Programa de Intercâmbio Cultural Inter-Freguesias, a aprovação de uma imagem de marca para o artesanato aveirense, a definição de uma nova política de Juventude, a assumpção das comemorações do 2º centenário do nascimento de José Estêvão, a abertura aos aveirenses das portas e do palco do Teatro Aveirense, o apoio à terceira idade não só ao nível de centros de dia e de lares, mas avançando mesmo para o aprofundamento de novas áreas como as residências assistidas e os condomínios residenciais, o significativo reforço no apoio à área social, introduzindo um novo conceito de inovação social, o aumento das intervenções em áreas decisivas como a Educação e a Habitação Social, quer no âmbito cooperativo quer dos preços controlados, e a elaboração das Cartas Cultural, Educativa, Desportiva, Social, Ambiental e Empresarial do concelho?

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João Oliveira

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